28/10/2007

Fenol/ Clorofórmio - Ato II

... Sua mão estava cheia de picadas antigas, mas com essa cobaia era diferente, ela nao se mostrava agressiva, na verdade era até submissa demais, ficando a mercê dos caprichos de sua tratadora, tinha desenvolvido um conexão do tipo síndrome de Estocolmo, criado certa cumplicidade. Claro, que não era de sua natureza esse comportamento, os répteis são frios... Uma espécie tão indiferente, confortáveis em sua pecilotermia, e vaidosos com sua solidão. A fizemos assim, manipulamos seus gens para torná-la mais humana e defeituosa.
A minha amada e seu animal compartilhavam uma mesma seqüência de nucleotídeos, uma parte de cada uma em cada uma. Por isso ela é tão fria e desinteressada. Soma isso com minha falta de jeito...

13/10/2007

Fenol/ Clorofórmio


Já era madrugada, e os sons da lâmpada fluorescente, do contador Geiger e do ar-condicionado preenchiam o laboratório.
Ela macerava os pedaços de gordura para extrair um bom material e os limpava com fenol/clorofórmio. Pediu para eu alcançar um bocado de Nitrogênio líquido para armazenar as amostras.
Nossa pesquisa sobre regeneração do tecido humano utilizando células modificadas de répteis e anfíbios foi considerada revolucionária por todos. E eu não estava nem um pouco preocupado com isso, ou com a solução dos problemas paraplégicos.
Na verdade, para mim era mais fácil brincar de Deus com material biológico e radioativo do que fazer parte dessa brincadeira insana de competição animal. E era isso que eu era, e dessa forma que me sentia... . No meio daquelas fotos em ultravioleta, enxergava um meio... Um fim talvez.

Eu e ela sozinhos, meus olhos escondidos em óculos embaçados e os dela atrás das lentes de plástico orgânico.
Ela escolhe a serpente mais peçonhenta para retirar uma amostra,

continua...

01/10/2007

A arte de morar sozinho e não ter uma Tv.

Fui tateando as paredes do local, um tanto úmidas e pegajosas, parecem carne quente e com essa escuridão não vejo um milímetro sequer, ainda mais agora que acabei de estraçalhar os meus óculos, mas me sinto bem, parece lá em casa, nada de pavor e medo, como se fosse um velho conhecido, bem, eu já morei em lugares menores que os poros de uma adolescente. O que incomoda é esse ar viciado, perfume de açúcar, mel e tomilho, hortelã e capim de cheiro.
Nesse asilo me encontro diversas vezes no dia.
- Olá, andas meio sumido né?
- Pois.
- E tu, se escondendo?
- É... Aqui e ali.
O som do relógio fica mais lento, e eu queria mesmo um daqueles atômicos de Césio que atrasam somente um segundo a cada trinta mil anos. No rádio a mesma música latina de voz esganiçada,... Até que são bons esses caras, vou baixar alguma coisa se me lembrar. Tinha de escrever algo sobre um escritor que não sabe o que vai escrever, do tipo que não possui televisão em casa, e as únicas ondas eletromagnéticas que ele realmente aproveita, são as ondas de rádio, nem falo da luz visível, pois ele dorme o dia todo e só acorda quando já é tarde e escuro. Então tem de ficar jogando com a mesquinhez da economia de fótons, jogado na poltrona despedaçada e bolorenta do seu quartinho de quinze mangos à diária.
Acho que é um bom enredo. Só falta começar... Mas por onde?